Passar para o conteúdo principal
Microlaringoscópios de contacto

Objeto do mês

Ligado

Em setembro, destacamos o microlaringoscópio de contacto. É um instrumento médico, da Coleção de Instrumentos de Otorrinolaringologia da Clínica Universitária de ORL, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), em depósito no Museu desde 2022. Trata-se de um endoscópio que permite várias ampliações (60X e 150X) e que abriu uma nova dimensão no diagnóstico clínico das alterações da mucosa.


A endoscopia de contacto é uma técnica não invasiva e que permite a observação “in vivo” e “in situ” das células e dos microvasos da mucosa. Foi pela primeira vez utilizada na observação das alterações da laringe em 1993 por dois investigadores portugueses, da FMUL, Mário Andrea e Óscar Dias, e vários endoscópios foram desenhados com base nas suas ideias e construídos pela Karl Storz Co..

É extraordinário verificar que a noção de endoscopia de contacto surge ainda no século XIX, aplicada inicialmente na parede da bexiga. O progresso tecnológico permitiu a evolução da técnica, sendo aplicada no estudo da mucosa do colo do útero nos anos 80 do século XX. E nos anos 90, são construídos os endoscópios de contacto para a avaliação das alterações da mucosa da via aerodigestiva superior, de acordo com as especificações indicadas por Mário Andrea e Óscar Dias. Surgem assim os microlaringoscópios de contacto com 24 mm de comprimento e de 5,8 mm de diâmetro (Karl Storz 8715AA, 0º e 8715 BA, 30º), e endoscópios mais curtos (18 cm) e de menor diâmetro (4 mm) para as fossas nasais, boca, oro e nasofaringe (Karl Storz 7215AA, 0º e 7215 BA, 30º).

O início deste caminho da endoscopia de contacto em ORL começou no Instituto de Anatomia Humana, da FMUL, no início da década de 70 do séc. XX, com Mário Andrea e o estudo da distribuição macro e microvascular da laringe. E ao longo dos anos, a sua equipa, no Centro de Investigação ORL da FMUL, dedicou-se à compreensão das vias de extensão tumoral da laringe (conhecimento fundamental para o desenvolvimento da cirurgia parcial do cancro da laringe), contribuindo também, ativamente, para o desenvolvimento da cirurgia Laser em ORL e da vídeo endoscopia na prática clínica.  


Em 1992 esta equipa começou a utilizar endoscópios de outras áreas da Medicina, para observar as peças operatórias de laringectomia e logo compreendeu a importância de utilizar endoscópios, com diferentes angulações, no bloco operatório durante a microlaringoscopia.
Foi por tentar de forma persistente, melhorar a observação das redes microvasculares, que tinham estudado nos trabalhos anatómicos que, vinte e cinco anos depois, os dois investigadores, conseguiram observar os microvasos na clínica com a endoscopia de contacto.

 imagem 1


Esta equipa de investigação definiu assim, o padrão de normalidade, de acordo com a localização topográfica no território ORL, bem como, os padrões patológicos baseados nas alterações celulares, tecidulares e microvasculares: inflamação crónica, queratose, trauma, displasia, tumor, infeção por HPV, infeção fúngica. A visualização das alterações vasculares permitida por estes endoscópios foi a etapa que permitiu chegar à endoscopia de contacto.  Assim nasceu a endoscopia rígida associada à microcirurgia laríngea, tendo os endoscópios desenhados em Lisboa sido construídos pela Karl Storz Co. em 1994. E ao longo dos anos a sua utilização foi alargada a todos os territórios da via aerodigestiva superior.

 

imagem 2
Imagem de catálogo da Karl Storz Co, 1996

A endoscopia de contacto vem permitir o estudo simultâneo das lesões e das áreas circundantes, possibilitando a identificação da associação de várias doenças e de diferentes estádios da mesma doença. Com esta técnica, as alterações da mucosa (celulares e microvasculares) podem ser analisadas quer no bloco operatório, quer numa observação em consulta. A noção de doença ultrapassa o conceito clássico de uma lesão macroscópica que foi biopsada, pois a biópsia e posterior observação e análise, dão lugar à observação e diagnóstico “in vivo” e “in situ”. Esta técnica não invasiva, em muitos casos, permite chegar ao diagnóstico no momento da observação, o que tem implicações diretas no planeamento terapêutico. Paralelamente recolhe-se informação sobre a doença subclínica o que permite compreender melhor a fisiopatologia da doença.


A observação das células “in vivo” e “in situ”, é conseguida com a aplicação de um corante vital (azul de metileno). Contudo, a visualização da rede microvascular efetuada em direto, pode ainda ser melhorada (mais contraste e acesso a planos mais profundos da mucosa) utilizando iluminação com um comprimento de onda específico para captação pela hemoglobina (narrow band imaging, Olympus Co.).

 

imagem 3


Endoscopia de contacto da corda vocal normal (60X). Imagem de epitélio pavimentoso após aplicação de azul de metileno, observando-se os núcleos e o citoplasma com forma e coloração homogénea.

Atualmente a endoscopia de contacto é usada em muitos centros com benefícios para doentes em todo o mundo. Os mesmos princípios são usados por outras especialidades como por exemplo, ginecologia, gastroenterologia, pneumologia e oftalmologia, como se pode observar pela literatura médica. Certamente, a evolução tecnológica e a colaboração entre os vários centros vão contribuir para o seu desenvolvimento.

 

Contact Microlaryngoscope

This month we're highlighting the contact microlaryngoscope. It's a medical instrument from the Otorhinolaryngology Instruments Collection of the ENT University Clinic of the Faculty of Medicine of the University of Lisbon (FMUL), on deposit at the Museum since 2022. It is an endoscope with various magnifications (60X and 150X) that has opened up a new dimension in the clinical diagnosis of mucosal alterations.

Contact endoscopy is a non-invasive technique that allows "in vivo" and "in situ" observation of the cells and microvessels of the mucosa. It was first used to observe changes in the larynx in 1993 by two Portuguese researchers from FMUL, Mário Andrea and Óscar Dias, and several endoscopes were designed based on their ideas and manufactured by Karl Storz Co.

It's remarkable to note that the concept of contact endoscopy emerged in the 19th century, initially applied to the bladder mucosa. Technological progress allowed the technique to evolve and it was applied to the study of the mucous membrane of the cervix in the 1980s. And in the 1990s, contact endoscopes were built to assess changes in the mucosa of the upper aerodigestive tract, according to the specifications indicated by Mário Andrea and Óscar Dias. This gave rise to contact microlaryngoscopes 24 mm long and 5.8 mm in diameter (Karl Storz 8715AA, 0º and 8715 BA, 30º), and shorter endoscopes (18 cm) and smaller in diameter (4 mm) for the nasal fossa, mouth, oropharynx and nasopharynx (Karl Storz 7215AA, 0º and 7215 BA, 30º).

The beginnings of contact endoscopy in ENT (ENT specialists are called “otolaryngologists” (pronounced: oh/toe/lair/in/goll/oh/jists), but it’s easier just to say “ENT”: ear, nose, and throat) began at FMUL's Human Anatomy Institute at the early years of the 1970s, with Mário Andrea and his study of the macro and microvascular distribution of the larynx. And over the years, his team at FMUL's ENT Research Centre has dedicated itself to understanding the pathways of tumor extension in the larynx (fundamental knowledge for the development of partial surgery for laryngeal cancer), while also actively contributing to the development of laser surgery in ENT and video endoscopy in clinical practice.

In 1992, this team began using endoscopes from other areas of medicine to observe laryngectomy specimens and soon realized the importance of using endoscopes with different angles in the operating theatre during microlaryngoscopy.

It was by persistently trying to improve the observation of the microvascular networks they had studied in their anatomical work that, twenty-five years later, the two researchers were able to observe microvessels in the clinic with contact endoscopy.

This research team thus defined the normality pattern according to the topographical location in the ENT territory, as well as the pathological patterns based on cellular, tissue and microvascular alterations: chronic inflammation, keratosis, trauma, dysplasia, tumor, HPV infection, fungal infection.

The visualization of vascular changes made possible by these endoscopes was the step that led to contact endoscopy.  This is how rigid endoscopy associated with laryngeal microsurgery was born, and the endoscopes designed in Lisbon were manufactured by the Karl Storz Co. in 1994. And over the years their use has been extended to all areas of the upper aerodigestive tract.

Contact endoscopy allows the simultaneous study of lesions and surrounding areas, making it possible to identify the association of several diseases and different stages of the same disease. With this technique, changes in the mucosa (cellular and microvascular) can be analyzed both in the operating theatre and during a medical appointment. The concept of disease goes beyond the classic concept of a macroscopic lesion that has been biopsied, as biopsy and subsequent observation and analysis give way to observation and diagnosis "in vivo" and "in situ". In many cases, this non-invasive technique makes it possible to reach a diagnosis at the moment of observation, which has direct implications for therapeutic planning. At the same time, information is gathered on the subclinical disease, which makes it possible to better understand the pathophysiology of the disease.

The observation of cells "in vivo" and "in situ" is achieved with the application of methylene blue. However, live visualization of the mucosal microvascular network can be further improved (more contrast and access to deeper planes of the mucosa) by using light with a specific wavelength for hemoglobin uptake (narrow band imaging, Olympus Co.).

Contact endoscopy is currently used in many centers with benefits for patients all over the world. The same principles are used by other specialties such as gynecology, gastroenterology, pneumology and ophthalmology, as can be seen from the medical literature. Technological developments and collaboration between the various centers will certainly contribute to the further development of this technic.


Referências bibliográficas / References

 

Texto de I Text by: Óscar Dias, Professor Catedrático de Otorrinolaringologia e atual Diretor da Clínica Universitária de Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa | Mário Andrea, Professor Catedrático e Diretor da Clínica Universitária de Otorrinolaringologia, FMUL, Jubilado em 2013. | Óscar Dias, Full Professor of Otorhinolaryngology and current Director of the University Clinic of Otorhinolaryngology at the Faculty of Medicine of the University of Lisbon | Mário Andrea, Full Professor and Director of the University Clinic of Otorhinolaryngology at FMUL, retired in 2013.

 

Microlaringoscópios de contacto | Contact microlaryngoscopes
Fabricante | Maker: Desenhados por Mário Andrea e Óscar Dias, fabricados por Karl Storz Co. (Karl Storz 8715AA) em 1995 | Designed by Mário Andrea and Óscar Dias, manufactured by Karl Storz Co. (Karl Storz 8715AA) in 1995.
Proveniência | Provenance: Clínica Universitária de Otorrinolaringologia, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa | University Clinic of Otorhinolaryngology at the Faculty of Medicine of the University of Lisbon
Universidade de Lisboa, MUHNAC-UL005734 e MUHNAC-UL005735

 


ATIVIDADE ASSOCIADA

23 setembro - 11h00

Espreitar o ouvido, nariz e a garganta
Quais eram os instrumentos usados pelos médicos de Otorrinolaringologia para sondar o que se passava dentro dos ouvidos, nariz ou garganta de um paciente, no início do séc. XX? E de que forma a Medicina e os instrumentos progrediram até às práticas médicas atuais, mais seguras e não invasivas? Nesta visita abordaremos a história do progresso em ORL do último século.

Mais informações aqui

Público geral, a partir dos 10 anos
Atividade inserida no programa das Jornadas Europeias do Património 2023.