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Exposição de Arte e Ciência

Data

2 Agosto - 29 Setembro 2024

Local

Vários espaços do Museu | Jardim Botânico de Lisboa

Exposição da artista plástica Margarida Alves

PALIMPSESTO é uma exposição em três Atos, desde o amanhecer até à escuridão da noite. Cada Ato desenha a experiência de um lugar onde o Antropoceno entrecruza o presente e o espaço-tempo ab origine da presença humana. Do ponto de vista temático, a questão do Antropoceno é o fio condutor que entrecruza as várias vertentes do projeto. 1º ato - Madrugada Uma cianotipia de grande escala formaliza um céu azul onde poeiras antropogénicas e sementes de ervas daninhas se imiscuem. A seu lado, um chão e uma casa de terra seca e gretada.

Curadoria: Sofia Marçal 

Inauguração: 1 de agosto, 18h00 às 20h00
 

CONVITE

 

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Três cores: Azul – Branco - Vermelho[1]

A exposição PALIMPSESTO dos artistas visuais Margarida Alves e Jorge Camões é apresentada em quatro espaços do museu: na Sala Azul, no Laboratório de Química Analítica, na sala da exposição Joias da Terra: O Minério da Panasqueira e no Jardim Botânico de Lisboa. Onde a liberdade, igualdade e fraternidade se misturam com a sensibilidade, a autenticidade e a poesia numa defesa do ambiente ecológico e social.

Desde o amanhecer até à escuridão da noite, cada exposição-ato desenha a experiência de um lugar onde o Antropoceno entrecruza o presente e o espaço-tempo ab origine da presença humana. Entre a leveza das matérias subtis de Margarida Alves – poeiras, sementes, águas, atmosferas cianotópicas – e a densidade das estruturas ressequidas de terra e ramos de Jorge Camões, emerge a esperança, o fio condutor da poética da vida.

Na Sala Azul está instalada uma escultura - piroga paleolítica - construída por Jorge Camões em vara de eucalipto. A embarcação, elemento simbólico fundamental que atravessa a vida e obra do autor[2], existe sobre a forma de uma estrutura interior, sem carne nem pele. Em paralelo, duas obras de Margarida Alves focam-nos a atenção para as águas contaminadas de diferentes lugares. O azul cianotópico imerge-nos numa atmosfera aquosa, com plásticos flutuantes. O vermelho ferroso remete-nos para um vídeo das águas contaminadas da Mina de São Domingos.

Nesta sala, referenciamos ainda uma vídeo-performance térmica de ambos os artistas, na qual um corpo humano habita uma barca-avieira do Tejo como uma presença-ausência. Ambas barca e piroga flutuam simbolicamente entre os lençóis de água, criando-se uma experiência espacial que interliga diferentes tempos e lugares.

Em diálogo com a exposição e com a intenção de se cruzar a arte com a ciência a par de se dar visibilidade às coleções científicas do museu, apresentam-se três peixes de rio das coleções de biologia; um sável (Alosa alosa), uma tainha-fataça (Liza ramada) e uma lampreia-marinha (Petromyzon marinus).

Na Sala da exposição Jóias da Terra: O Minério da Panasqueira dialogam duas obras dos artistas: um chão de taipa de Jorge Camões que representa, tal as como as casas, a “terra queimada, seca, ressequida, planuras de terra gretada por falta de água”[3], a terra do lugar e uma escultura-mina a céu aberto de Margarida Alves, uma das maiores escavações do mundo[4].  A lógica desta obra é trabalhar a partir da escala das maquetes arquitetónicas e das próprias matérias que são utilizadas na sua construção. O cartão canelado e o corte a laser vai projetando a escavação. Aqui, as matérias diáfanas mergulham nas profundezas da terra. A escultura é o vazio e o substrato escavado é inacessível, foi transportado para outros lugares do mundo globalizado. “O que às vezes é chamado, em retrospeto, de ‘projeto da modernidade’ foi produto de esforços generalizados, no início dispersos e difusos, porém cada vez mais concentrados, coesos e convergentes, para reagir a uma queda iminente em direção ao caos.”[5]

No Laboratório de Química Analítica estão instaladas duas casas de terra gretada de Jorge Camões que nos remetem para a instalação do chão que está na Sala das Minas, e para um clima seco de falta de água. No mesmo espaço, duas cianotipias e um cocharro de cortiça de Margarida Alves misturam elementos vegetais, água, sementes e poeiras antropogénicas, criando-se um efeito atmosférico, como se mergulhássemos no céu ou submergíssemos na água. Aqui, na sala, a vida também está presente através do sentido de possibilidade da germinação. O substrato “terra é a própria quintessência da condição humana e, ao que sabemos, a sua natureza pode ser singular no universo, a única capaz de oferecer aos seres humanos um habitat no qual eles podem mover-se e respirar sem esforço nem artifício.”[6]

No anfiteatro do Jardim Botânico os artistas instalaram uma antiga casa-barco avieira. Chama-se O porta-voz dos avieiros, do Porto da Palha e está à guarda da Confraria Ibérica do Tejo[7]. Embarcação, à espera de ser restaurada para depois voltar para a aldeia[8], representa uma cultura que se mantém viva num passado presente até aos dias de hoje. Subsistindo a partir dos ecossistemas do rio, os avieiros resilientes simbolizam a esperança.

Junto à embarcação, Margarida Alves e Jorge Camões colocaram um código QR que remete para o vídeo térmico do corpo humano dentro da barca avieira, o qual é também projetado na Sala Azul. A imagem e o corpo são duas realidades que absorvem a cultura do nosso tempo, materializadas de diferentes formas e em contextos distintos.

A embarcação avieira, a piroga paleolítica e as atmosferas ferrosas e cianotópicas encapsulam vários tempos que se escrevem e reescrevem, tal como um pergaminho cujo texto foi eliminado para permitir a sua reutilização, um PALIMPSESTO. Citando Margarida Alves, “como pensar e agir no futuro? Talvez a resposta esteja ainda para além do anthropos, não como domínio, mas como liberdade, sentido de alteridade, fundindo, absorvendo e exalando os mesmos sais que permeiam as coisas, deixando submergir o corpo pela Terra adentro, testemunhando a temporalidade da atmosfera em devir, e sendo Terra e pó, vida em pleno, para além deste corpo-organismo.” Como na trilogia de Kieslowski todas as obras se entrelaçam e criam um tempo biológico e geológico numa visão artística contemporânea.

 

Sofia Marçal

 

[1] Apropriação do título da trilogia dos filmes do cineasta polaco Krzysztof Kieslowski de 1993 e 1994.

[2] Citando Camões, “eu desde sempre que tenho veleiros, tenho uma ligação muito forte à água e de alguma maneira as embarcações coexistem sempre comigo. A piroga é a embarcação mais rudimentar, resulta de um troco de árvore escavado. Eles próprios já são objetos estéticos, é uma forma que está sempre comigo.” (entrevista 26 de julho 2024).

[3] Jorge Camões (entrevista 26 de julho 2024).

[4] Bingham Canyon Mine, também conhecida como Kennecott Copper Mine, Utah, Estados Unidos da América.

[5] Zygmunt Bauman, in: Danos colaterais - Desigualdades sociais numa era global, p.44.

[6] Hannah Arendt, in: A condição humana, p.12.

[7] Associação formada em 2017, na sequência do 2º Fórum Ibérico do Tejo realizado em 2016 em Vila Franca de Xira. Onde foram analisados Temas como a gestão insustentável dos recursos da água, o mito da rentabilidade dos transvases, o património histórico-cultural do Tejo a sua conservação e valorização. A reabilitação de linhas de água da bacia do Tejo, a astronomia do Tejo, a gestão de recursos hídricos do Tejo, a utilização da água na bacia do Segura, as afinidades históricas entre Castilha- La Mancha e o Ribatejo, a valorização e a conservação do Tejo, e o legado cultural vivo que o rio representa. Informação retirada do site da associação.

[8] “Esta embarcação fez os primeiros cruzeiros religiosos do Tejo que começaram há 10 anos. A bateira não teve manutenção e degradou-se. Dentro de um ano (vão) tentar pô-la a navegar e entregá-la à população. Dormiam aqui 6 pessoas, 4 filhos e os pais. Normalmente as pescas que estes barcos faziam eram com a colocação de redes nas margens do rio Tejo, ficavam mais ou menos um dia e meio e iam colocando várias. Conforme começava a vazar, retiravam as redes e apanhavam o peixe. Eram um bocadinho nómadas. Vivia-se aqui nestes barcos pois quando chegava à noite nem sempre a maré era favor de regressarem. Também viviam nas margens do rio em casas palafíticas, principalmente na zona do médio Tejo.” Informação recolhida a partir de entrevista a Moisés, escultor responsável pelo restauro de barcas avieiras. (data de entrevista: 26 de julho 2024).