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Exposição de Arte e Ciência

Data

11 Novembro - 13 Dezembro 2022

Local

Sala Azul | Museu Nacional de História Natural e da Ciência

Exposição da artista plástica Sofia Arez.

Não é difícil imaginar um futuro de conflitos intensificados. Mas haverá alguma hipótese de existir um futuro mais harmonioso? A artista Sofia Arez mostra-nos de 10 de novembro a 13 de dezembro, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, que a criatividade colaborativa dos líquenes pode ser a chave para vivermos as possibilidades regenerativas deste momento.

A exposição SYMBIOSIS, de Sofia Arez, é constituída por um conjunto de obras que retratam líquenes encontrados pela artista nos mais diversos meios: rochas, árvores, muros e penhascos. Estão por todo o lado. Enquanto se desloca a caminho do atelier ou se exercita perto de casa, há florestas escondidas de líquenes que estão à espera de serem descobertas.

Sabemos muito pouco sobre líquenes. É uma parceria simbiótica, uma aliança mutualista, e um organismo de fronteira. Criaturas parecidas com líquenes foram das primeiras a emergir da “sopa primordial” para colonizar o planeta. O modo não dualista de ser líquen encarna a ideia do filósofo francês Jean-Luc Nancy de "ser singular plural".

O pensamento de dois seres de reinos biológicos distintos que não conseguem viver um sem o outro, que se juntam e se alteram mutuamente em colaboração – dois seres que se tornam um só que se regenera infinitamente – leva-nos a olhar para estas obras de Sofia Arez como metáforas e modelos para os meandros das relações entre as entidades vivas na Terra.

A arte é uma lente através da qual podemos explorar a incerteza e examinar tanto a necessidade como as limitações da agência humana num futuro cada vez mais complexo. Esta exposição explora o papel da arte como forma única de investigação de futuros mais harmoniosos e mostra como arte e ciência se podem inter-relacionar e complementar.

Mais informações sobre a artista aqui.

Curadoria: Sofia Marçal

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O líquen emula no tempo

A exposição Symbiosis de Sofia Arez apresenta um conjunto de desenhos sobre líquenes, resultado de um longo trabalho de pesquiza realizado pela artista. Caminhar, observar, recolher e desenhar são práticas integrantes da sua metodologia e da sua essência. A artista devolve um compromisso subtil de serenidade consigo e connosco, na medida em que joga com a intuição e com a racionalização criando composições onde alguns desenhos aqui apresentados se assemelham-se, em muito, a naturezas-mortas.

Esta exposição vem na sequência da exposição Desvio realizada no museu em março de 2020. Não existe linearidade no processo artístico, evocam-se sempre trabalhos passados que reaparecem de outra maneira, utilizam-se metodologias semelhantes para se fazerem coisas diferentes. "Perco a identidade do mundo em mim e existo sem garantias. Realizo o realizável, mas o irrealizável eu vivo e o significado de mim e do mundo e de ti não é evidente. É fantástico, e lido comigo nesses momentos com imensa delicadeza. Deus é uma forma de ser? é a abstração que se materializa na natureza do que existe? As minhas raízes estão nas trevas divinas. Raízes sonolentas. Vacilando nas escuridões."1 O carácter temporário da criação artística é estrutural na vida de Sofia Arez e  propaga-se entre pensamentos e concretizações.

Citando Diogo Teixeira, os líquenes “são, em certo sentido, micro-planetas. Lugares onde um organismo se torna um ecossistema e, concomitantemente, um ecossistema se torna um organismo. Baloiçam – não baloiçamos todos? – entre ‘totalidades’ e ‘coleções de partes’. O vaivém entre estas duas perspetivas faz-nos pensar. A palavra indivíduo vem do latim que significa ‘indivisível’. Será o líquen todo o indivíduo? Ou serão os seus membros constituintes, fungo e alga ou cianobactéria, os indivíduos? Será mesmo esta a pergunta correta a fazer? Os líquenes são menos a soma das suas partes do que o resultado das trocas entre essas partes.” Essa humildade de Sofia Arez na procura de respostas materializa-se e é visualmente harmónica e delicada.

Nestes trabalhos a artistas cria um compromisso entre a sua submissão ao que observa e a sua criatividade. “Embora cada consequência dependa de uma causa universal, nela se misturam tantas outras causas particulares que cada consequência tem, de certa forma, uma causa única. Assim é a arte das regras e o gosto das exceções; o gosto revela-nos em que ocasiões a arte deve dominar e em que outras se deve submeter.”2 Um pormenor pode estruturar todo o desenho, o  mais cativante é o seu processo e como se materializam inúmeros reflexos de líquenes  que rodeiam Sofia Arez.

O caminhar artístico de Sofia Arez, a sua apropriação da natureza, onde o devaneio enriquece a sensibilidade ao se defrontar no espaço e com o tempo da criação artística. “A verdade da arte também não é apenas uma questão de estilo. Há na arte uma autonomia abstrata, ilusória: invenção arbitrária privada de algo novo, uma técnica que permanece estranha ao conteúdo ou técnica sem conteúdo, forma sem matéria.”3 Estes desenhos não são cópias de líquenes, são olhares, movimentos preceptivos, e vão-se construído como processo de criação.

Para a artista a Arte também tem como desígnio a terapia, onde a sua contemplação e fruição nos fortalece e consola. As caminhadas no meio da natureza, a pesquisa de campo e recolha, fazem parte do trabalho, bem-estar e consciencialização de Sofia Arez. Assim nos seus passeios e nos seus desenhos, a artista procura construir uma ponte entre o Homem e a Natureza, na sua relação privilegiada com o meio ambiente.

“A Natureza é um templo vivo onde os pilares
Deixam filtrar não raros insólitos enredos;
O homem cruza-o a meio, um bosque de segredos
Que ali o espreitam com os seus olhos familiares.
 

Como ecos longos que à distância se matizam
Numa vertiginosa e lúgubre unidade,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam.”4

 

Sofia Marçal

 

[1] Clarice Lispector, in: Água Viva, p.32.
[2] Montesquieu, in: Ensaio sobre o gosto, p.56.
[3] Herbert Marcuse, in: A Dimensão estética, p.43.
[4] Charles Baudelaire, in: As flores do mal, Correspondências, p.93.

 

Inauguração: 10 dezembro, 18h00 às 20h00